Por que os juros voltaram a subir depois de quase 6 anos

Artigos, Notícias | 17/03/21
Marcelo Roubicek

Comitê do Banco Central aumenta a taxa Selic para 2,75% ao ano. O ‘Nexo’ conversou com economistas para entender as variáveis da decisão

O Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central anunciou nesta quarta-feira (17) que elevou a taxa básica de juros em 0,75 ponto percentual. É a primeira vez desde julho de 2015 que o comitê opta por subir os juros.

2,75% ao ano é a meta para a taxa Selic definida pelo Copom (Comitê de Política Monetária do Banco Central) em 17 de março de 2021

PRIMEIRA ALTA DESDE 2015

Trajetória da meta para a taxa Selic. Depois de cair de 14,25% a 2% ao ano entre 2015 e 2020, primeira alta ocorre em 2021, para 2,75% ao ano

Desde meados de 2015 – última vez que a taxa Selic tivera alta –, houve dois ciclos de cortes nos juros. O primeiro deles, que durou do final de 2016 ao início de 2018, levou a taxa de 14,25% para 6,5% ao ano. O segundo ciclo de quedas durou de agosto de 2019 a agosto de 2020, e levou a Selic a seu menor patamar na história: 2% ao ano.

Com a decisão de elevação na quarta-feira (17), a expectativa é que tenha início um ciclo de alta na taxa básica. No relatório Focus – que semanalmente compila as expectativas de agentes do mercado – publicado na segunda-feira (15), a projeção registrada é que a Selic chegue ao final de 2021 em 4,5% ao ano.

O que é a taxa Selic
A taxa Selic é a taxa básica de juros da economia. Ela serve de referência para a definição dos juros cobrados pelos bancos em empréstimos, o retorno de títulos do Tesouro e até o rendimento da caderneta de poupança. O vídeo abaixo explica como funciona a Selic e como o Banco Central a opera.

A Selic é o principal instrumento da política monetária do Banco Central, cujo objetivo central é o controle da inflação. Desde 1999, o Brasil adota um regime de metas de inflação. O Banco Central estipula metas para a variação de preços em um ano, com uma margem para mais e outra para menos – as chamadas bandas. Ele age para manter a inflação dentro desse objetivo, usando a taxa de juros como instrumento.

Quando há sinais de que a inflação pode aumentar, o Banco Central eleva a taxa básica de juros com a intenção de esfriar a economia e conter um eventual aumento dos preços. Se a inflação está num patamar baixo e não sinaliza aumento, há margem para estimular a economia com um corte de juros, sem grandes riscos inflacionários.

Além do papel como instrumento da política monetária, as mudanças na taxa básica têm outras implicações. A Selic pode ser usada para estimular ou frear o ritmo de crescimento da economia, barateando ou encarecendo o custo do crédito. A taxa de juros também afeta a rentabilidade de investimentos de renda fixa indexados à Selic. Quanto menor a Selic, menos atraentes ficam esses investimentos – e, por comparação, mais rentáveis ficam investimentos de renda variável, como ações na bolsa de valores.

Outro fator que pode ser influenciado pelos juros é o câmbio. Os juros de um país são importantes para demarcar quanto um investimento vai render no local. Se os juros brasileiros estão mais altos, por exemplo, isso significa que uma aplicação terá um rendimento mais alto aqui do que em países com juros mais baixos. Assim, o patamar pode ajudar a atrair ou não dinheiro de fora. Se entrar mais moeda estrangeira no país, a tendência é que a taxa de câmbio caia; se sair, a tendência é de aumento.

A inflação no início de 2021
A trajetória da inflação nos primeiros meses de 2021 indica uma tendência de alta nos preços. De acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a elevação dos preços em fevereiro foi a maior para o mês desde 2016.

A inflação acumulada em 12 meses entre março de 2020 e fevereiro de 2019 foi a maior desde o início de 2017. O crescimento de 5,2% nos preços quase superou o teto da meta – que está em 5,25% –, algo que não acontece desde novembro de 2016.

PRÓXIMO AO TETO

Trajetória de inflação e metas no Brasil. Em 2021, chegando próximo de romper o teto pela primeira vez desde o fim de 2016

A aceleração inflacionária a partir do segundo semestre de 2020 teve como protagonistas os alimentos. Produtos como óleo de soja, arroz, batata, tomate, leite, e carnes tiveram os maiores aumentos. No início de 2021, os alimentos continuam subindo, mas a ritmos menores que no final de 2020.

Em janeiro e fevereiro de 2021, outro grupo aparece como um dos principais responsáveis por puxar a inflação: a categoria de produtos ligados ao transporte. Em especial, os combustíveis tomam a dianteira nos produtos com maior alta. Mais de 40% da alta do IPCA em fevereiro se deve ao aumento da gasolina.

A economia brasileira no 2º ano de pandemia
Além da inflação, outro fator apontado como preocupante por muitos economistas é a crescente percepção de risco de investir no país. Os receios de investidores sobre colocar dinheiro no Brasil estão altos. Uma parcela desse risco se deve à crise fiscal, que o país atravessa desde meados da década de 2010.

Parte dos agentes do mercado entende que as contas públicas correm risco de se deteriorarem ainda mais em 2021, dadas as dificuldades de aprovar medidas de ajuste fiscal – um exemplo é a PEC Emergencial, promulgada na segunda-feira (15), que foi desidratada após longo processo de tramitação, com ajuda do próprio presidente Jair Bolsonaro. O mercado entende que há risco maior de, no futuro, o governo não conseguir mais honrar seus pagamentos.

Além do aumento da percepção de risco ligado à questão fiscal, outro fato que marca a economia brasileira no início de 2021 é o endurecimento de medidas de restrição à circulação adotadas por diferentes governos locais pelo país. O Brasil passa pelo pior momento da pandemia, com recordes consecutivos na média móvel de mortes por covid-19 e um cenário de colapso do sistema de saúde. A vacinação, por sua vez, caminha a passos lentos.

Com a imposição de novas medidas de isolamento, a projeção de muitos economistas é de queda da atividade econômica nos dois primeiros trimestres de 2021. A expectativa, portanto, é que a recessão iniciada em março de 2020 se arraste ainda por boa parte do ano.

O quadro econômico eleva a pressão contra Jair Bolsonaro e sua equipe. O presidente mantém sua política anticientífica na área da saúde, mesmo com a piora da pandemia. Na segunda-feira (15), ele demitiu o general Eduardo Pazuello do comando do Ministério da Saúde, indicando como sucessor o médico Marcelo Queiroga. Pelo lado da economia, a inflação em alta e a maior percepção de risco de investimentos no Brasil também pesam contra o presidente.

Duas análises sobre a decisão do Copom
O Nexo conversou com economistas sobre a elevação os juros e o que motivou a decisão do Copom.

André Roncaglia, professor de economia da Unifesp e pesquisador associado do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento)
Ana Beatriz Moraes, economista e professora do Ibmec-RJ
Os juros mais altos serão efetivos no controle da inflação?
ANDRÉ RONCAGLIA Não. Os juros não têm qualquer efeito sobre as pressões inflacionárias atuais, que são dadas essencialmente do lado da oferta. Há pressão da taxa de câmbio, que é dominantemente determinada por fatores que estão fora do controle do Brasil e do governo – são fatores externos. E há uma bolha de preços de commodities que está acontecendo lá fora, que pressionou muito os preços aqui.

Além disso, temos dois mecanismos internos que estão gerando pressão de preços. Inicialmente, tivemos a pressão no setor de alimentos no segundo semestre, que incomodou bastante. E agora estamos tendo o reajuste do preço da gasolina por conta da política de indexar os preços do petróleo aos preços internacionais. Esses são preços administrados, que acabam afetando por exemplo o setor de transportes e a correção de mensalidades das escolas, que é um preço que também está indexado – não tem a ver com demanda. Por esses motivos, elevar o juro agora terá um impacto nulo sobre as pressões inflacionárias.

O BC tem que olhar para os núcleos de inflação, para a trajetória das expectativas, e tentar acomodar de acordo com o cenário econômico, qual é a melhor trajetória [dos juros] para garantir a convergência da inflação à meta num horizonte relevante, que é de dois anos.

Sobre o câmbio, o efeito de elevar os juros sobre a atratividade de capitais, se não for nulo, é desprezível. Isso por um motivo simples: temos uma situação global de altíssima incerteza. O ritmo de vacinação nos países é muito desigual. Há uma série de pressões epidemiológicas ocorrendo em diferentes países com variados graus de desenvolvimento. Não é algo trivial entender a dinâmica do dólar. As pessoas e investidores mundo afora estão procurando o dólar – há uma altíssima preferência pela liquidez do dólar. Além disso, a taxa de câmbio brasileira é historicamente muito mais volátil que as outras moedas. Subir os juros um pouco não vai atrair capitais para o Brasil.

ANA BEATRIZ MORAES Teoricamente falando, a lógica de controle da inflação é uma medida efetiva. Quando se aumenta os juros, o que se faz é conter uma demanda que está aquecida. Nesse ponto, é algo que parece bastante contraditório no momento de pandemia, em que a população mal está conseguindo consumir e temos ao mesmo tempo pressão inflacionária. Existem variações acontecendo no nível de preço, e isso já está afetando e ainda vai afetar a população como um todo.

Quando pensamos qual seria a forma de conter a inflação, aumentar os juros é uma forma de efetivamente tentar conter a demanda. Consideramos que os juros, de uma maneira muito simples, são uma remuneração de capital. Na medida que aumenta a taxa básica e vários investimentos estão atrelados à taxa, por um lado isso aquece a remuneração desse capital. Está aumentando a taxa básica que baliza os demais títulos – os títulos públicos vão ser mais atraentes, vão remunerar melhor.

Por outro lado, se temos uma taxa de juros mais alta, as empresas deixam de investir. O crédito fica mais caro e a poupança é estimulada. Fica mais caro se endividar, num momento em que a população não pode se dar o luxo de se endividar e tomar mais crédito. A alta de juros agora vai desestimular a demanda nesse aspecto: o crédito fica muito caro.

Como avalia a decisão do Copom de elevar os juros em meio a uma das piores crises da nossa história e ao pior momento da pandemia no Brasil?
ANDRÉ RONCAGLIA O Copom tem que observar o balanço de riscos. Existem pressões inflacionárias localizadas, setoriais, que estão se alternando – houve pressão dos alimentos, agora dos transportes e um pouco dos serviços, por causa das mensalidades escolares. Há essa pressão momentânea, mas a tendência é que as elevações se dissipem ao longo do tempo.

Porém, existe um [outro] balanço de risco, associado ao próprio ritmo de atividade da economia. Esse ponto é central, e envolve a ociosidade [da economia] e o nível de confiança da indústria, que está baixo. Os últimos dados do varejo mostram uma desaceleração na atividade, com queda nos últimos meses. Além disso, temos um desemprego muito elevado – são milhões de brasileiros sem trabalho, subocupados ou que desistiram de procurar emprego. Há uma ociosidade enorme.

Considerando esses elementos – somados à total falta de plano do governo federal de orquestrar uma vacinação em massa que garanta uma retomada segura para a economia –, me parece que o balanço de risco para o lado recessivo é muito mais forte que as razões que justificariam uma predominância do risco inflacionário. Nesse sentido, me parece que a decisão do Banco Central está divorciada dos fundamentos da economia.

A decisão de subir os juros é uma decisão política. O Banco Central está olhando exclusivamente para o comportamento da curva de juros, na tentativa de sinalizar para os investidores que está olhando para a inflação no médio prazo. Todos os outros fatores jogam contra essa decisão. Precisamos nos perguntar se o BC está olhando para os acionistas majoritários da moeda e da atividade econômica – que é a sociedade como um todo –, ou está olhando para os acionistas minoritários, que são aqueles que detêm os títulos de dívida pública. Não há justificativa técnica para elevar os juros, considerando todo o balanço de riscos e variáveis.

ANA BEATRIZ MORAES Neste momento, não existe decisão fácil – nenhuma decisão é simples de ser tomada. Essa decisão do Banco Central se dá numa tentativa de contenção da inflação. É um momento difícil na pandemia. Estamos esperando a volta do auxílio emergencial em abril, que será um bálsamo para a população e para a economia de forma geral. Mas precisamos combinar que não é possível deixar a pressão inflacionária avançar.

Podemos elencar uma série de medidas que seriam boas para conter a pressão inflacionária. Mas precisamos escolher uma. E, no meu entendimento, o que o Copom está fazendo é tentar colocar em prática uma das medidas que está na mão, que está mais acessível para ser implantada.

Pensando tecnicamente, é uma medida que tem sentido. Precisamos pensar: o que é pior? Aumentarmos os juros agora ou encararmos uma pressão inflacionária? Confesso que tenho mais medo da inflação.

ESTAVA ERRADO: Uma primeira versão deste texto descrevia o Copom como Comitê de Política Econômica do Banco Central. Na verdade, é o Comitê de Política Monetária. O texto foi corrigido às 21h25 de 17 de março de 2021.

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Fonte: Nexo Jornal